
Comparações são invariavelmente péssimas, mas de modo geral é a única medida que temos para auferir alguma conclusão sobre o mundo. As pessoas comparam números, medidas, idéias, pessoas e o que mais houver para se colocar lado a lado em hipóteses e julgamentos. Se por um lado as comparações são muitas vezes as raízes dos preconceitos, é só através delas que podemos em algum momento criar uma hipotética medida única, e a submissão de todas as coisas à ela, que é a base da vida moderna.
Eu mesmo estou sempre condenado a uma comparação irremediável. Nascido no Rio de Janeiro e habitante da Capital paulista há cerca de dez anos, sempre defronto-me com perguntas, análises, preconceitos, conceitos e sentenças sobre a dicotomia Rio Sampa. “ como conseguiu sair daquela cidade?” “O Rio é maravilhoso, o problema são os cariocas” “São Paulo é inóspito” “paulista só pensa em trabalho”. E mais tantas sandices quase verdadeiras que me são apresentadas dia após dia.
Uma comparação inevitável, sem dúvida, entre as duas cidades que, pelo menos na economia, são praticamente os pilares do país. Tão próximas e tão distantes. Se os paulistas invadiam a praia do carioca com certa freqüência, finalmente parece que o caminho inverso se consolidou. Cariocas estão indo , vindo e exibindo seu sotaque despretensiosamente por algum ponto nodal de Sampa. Ponho-me à paisana e apenas indico o caminho, observando o tipo desaparecer na esquina próxima.
Certa vez observei uma certa decepção de duas cariocas na Vila Madalena. Procuravam algum lugar para comer nas irremediações. Percebi que não encontraram a Lapa ou Santa Tereza, e, decepcionadas, resignadamente retornavam para o local que se abrigavam. O contrário também é cotidiano. Paulistas narram sua dificuldade com o atendimento desleixado carioca e acreditam que vão encontrar o Jardins em Ipanema, e sequer encontram algo parecido no Leblon.
Pois bem, comparações são inevitáveis. Logo quando aqui cheguei, fizeram questão de levar-me na feirinha de antiguidades da Benedito Calixto. Lá encontraria algo parecido com o mood carioca. Pessoas na rua indo e vindo, comidas em barraquinhas, antiguidades e velharias à mostra e um chorinho de ótima qualidade dos “tiozinhos” que toda semana retornam para resguardar uma tradição. Para os connaisseurs do chiado malemolente, a semelhança mais óbvia é com o chorinho da General Glicério.
Pois bem, primeiramente, ou segundamente, já que houve menção anterior, comparações são invariavelmente péssimas. Sem comparar o naipe de músicos, o clima dos recintos são completamente distintos. A General Glicério é freqüentado praticamente por conterrâneos de Laranjeiras e imediações, enquanto que a Benedito é praticamente um evento na cidade. Praticamente todo turista com algum conhecimento na cidade fica à par da programação.
Por outro lado, enquanto uma tem todo esse status, a outra, apesar de ser basicamente um programas de vizinhos, torna-se uma ocasião muito mais especial primeiro pelo naipe de músicos, e afirmo isso com medidas objetivas. Em minha época de General Glicério frequentava instrumentistas que transitam na nata da MPB brasileira como Marcelo Bernardez, que já esteve ao lado de gente da estirpe de Chico Buarque. O Franklin da Flauta acompanhou o Roberto Carlos em 1967 no início de sua carreira. Sem descredenciar os velhinhos de Pinheiros, talvez com suas próprias grandes histórias, tratava-se de gente de primeira. Mas se os músicos são tudo isso, impera por outro lado a total descontração do público, como se estivesse realmente indo para a feira, não de antiguidades e modernidades como a Benedito, mas a feirinha convencional de frutas, legumes e mantimentos padrões de uma casa familiar.
Porém comparar é doloroso, ainda mais para um sujeito que está cá do outro lado. Apesar de preferir a minha feirinha da General, tenho convicção que a Benedito Calixto tem o mérito de ser arrojada, bem frequentada de forma geral e oferece quitutes de primeira na sua “praça de alimentação”. Mas sempre lhe faltará a descontração da espontaneidade do bairro. A despretensão de um passeio matinal.
Entretanto, outro choro desponta como uma alternativa para a vizinhança, com esse mesmo clima leve e despretensioso. No coreto do Parque da Aclimação, a Produtora Realejo articulou um chorinho nos sábados matinais em um projeto que promete tornar-se a mais nova tradição dos arredores. No Clima do Choro conta toda semana com uma banda diferente. A tradicional caminhada no parque, ou o passeio com a criançada ou cachorro, ganha um tempero especial, mesmo que seja apenas uma pequena amostra da autêntica música clássica brasileira.
Hoje vai ser o Nó na Pedra, e prometo convencer a criançada aqui de casa para correr de um lado a outro no parque e poder prestigiar esse movimento que cada vez mais torna-se tendência em São Paulo, ocupar o espaço público. Um pouco de música simples e espontânea a preencher os ouvidos de seu passeio matinal!
Entra aí….No Clima do Choro
Sábados das 11h às 12h30
Grátis
Coreto do Parque da Aclimação, próximo à Muniz de Souza
Bogado Lins é escritor, roteirista e articulador do Literatura Cotidiana