Manifesto – O Valor da Arte

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A classe artística costuma se queixar que as pessoas não valorizam a arte. Estão certos, as pessoas não valorizam mesmo. Mas como ela pode se queixar se o próprio artista não valoriza o que faz? Explico-me melhor.

Valorizar significa dar valor. Como verbo, trata-se de um ato, necessita ser realizado. Há inúmeras formas de dar valor. Para regular melhor as relações, anos atrás foi criado o dinheiro,um instrumento comum no qual todos poderiam se basear para oferecer produtos e serviços para trocar por outros produtos e serviços. Ele, portanto, o dinheiro, é o meio pelo qual valorizamos muitas coisas. Óbvio que existem outras formas de conferir valor às coisas, talvez muito mais significativas do que o dito cujo. Um elogio, por exemplo, é uma forma de valorizar muito gratificante. Porém, infelizmente até hoje não se tem notícias que um elogio encheu a barriga de alguém, ou pagou sua conta de luz. Quando você opta por seguir uma carreira profissional de artista, logo de cara, está diante de uma questão: a arte é o seu trabalho.

Sendo a arte o nosso trabalho, tal como em todas as profissões, devemos vender nossos produtos e serviços para os outros. E daí,  deparamo-nos com a nossa grande questão:  o artista por algum motivo obscuro, não consegue se valorizar. Quando digo valorizar, digo, embutir valor no seu produto, seu serviço. Pausa para reflexão. Muitas vezes ele consegue precificar, aliás precifica a todo instante, vemos os preços do teatro, dos livros, dos ingressos de shows, de seus projetos destinados às leis de incentivo, as vezes absurdos até, porém, na hora de cobrar no varejo, é permissivo demais. Basta qualquer pessoa com o mínimo de intimidade pedir que normalmente doa prontamente o seu produto. Em muitas ocasiões  nem sequer conhecido é, basta conhecer o amigo do amigo, ou ainda o solicitante ter qualquer tipo de “fama” para o ingresso ser liberado.

Por algum motivo, ele prefere ver o teatro cheio, ou que mais pessoas estejam com seu produto, do que propriamente as pessoas o valorizem. E isto é significativo, quando a pessoa paga, ela já valorizou pelo simples ato do pagamento, pois investiu uma parte do tempo que conquistou seu dinheiro, para estar ali, ou para possuir a obra. Digamos que esta pessoa, o amigo do amigo, seja um médico, ele vai te consultar de graça? Ou ainda um arquiteto, ele vai fazer um projeto para você sem pagar? O seu encanador vai conserta o seu banheiro para assinar o cano? Eu não teria a cara de pau de pedir! Então porque será que no nosso ramo, a arte, é tão fácil de pedir para o colega?

A explicação é fácil, porque antes mesmo de pedir para nós o nosso produto, a gente já doou. Quantos amigos já te ofereceram ingresso para dias de peça? Quantos amigos já te deram ingressos para shows? Quantos conhecidos já te deram livros de sua autoria?  As vezes, mal conhecemos alguém e prontamente já oferecem ingressos de sua apresentação. E você, quantas vezes já fez o mesmo?

Daí hoje a nossa classe critica que as empresas e o governo são os únicos mecenas da nossa profissão. Algumas vezes como forma de publicidade direta, utilizando-se do talento criativo de artistas para vender diretamente seu produto. Em outras, apoiando como mecenas no sentido ipsum literis, investindo seu capital para realizar atividades artísticas, seja ela qual for : o teatro, a literatura, a música e assim sucessivamente. Hoje praticamente só há artistas profissionais porque algumas empresas e o governo (municipal, estadual e federal) são os únicos que financiam a maior parte dos eventos e produtos artísticos. Não fossem eles, seríamos todos amadores, ou a míngua sem casa e comida num picadeiro qualquer– porque nós artistas amamos tanto sê-lo que nos desdobraríamos em um emprego comum ou chegaríamos ao ponto de abandonar tudo, para apenas ser o que somos.

Há quem considere que a nossa atividade deveria ser toda financiada pelo governo. Não estão de todo errado, pois boa parte do financiamento privado está atrelado a leis de incentivo, que em muitos casos são totalmente abatidos em impostos. Porém, um breve parênteses,  deveríamos ficar ainda mais ressabiados de relegar nossa atividade a apenas um “cliente”. Quais serão os critérios de escolha de um cliente único? Quem desagradasse ele não estaria automaticamente fora? E, todos sabem, quanto menos concorrência, mais desvalorizado fica nosso serviço. A diversidade de fontes, mesmo que não tão diversa assim, é mais benéfica, do que maléfica. Pois bem, fica a dica.

Aliás, deveríamos agradecer, de pé junto, rezando aos céus que ainda há estas fonte e antes de criticá-los, deveríamos  criticar a nós mesmos, por ter tão poucas pessoas valorizando o que fazemos.Mesmo as empresas, e até o governo, volta e meia acreditam que podem contar com nosso trabalho apenas pelo nosso suposto prazer de “assinar” e “divulgar o nosso trabalho”.Por que será?

Antes de reclamar do atual sistema, chegou a hora de criar o nosso sistema. Até porque se vendemos os produtos dos outros, com peças publicitárias, anúncios, teatro e outras expressões artísticas, por que não conseguimos vender o nosso próprio produto ? Não é o mesmo público? Parafraseando a expressão popular, não existe ingresso grátis! Se você tem um grande amigo, eu tenho certeza que ele aceitaria de bom grado pagar pela sua atuação, ou sua criação, ou seu texto. Seu pai então nem se fale. E se você é amigo de alguém, você também não quer que ele seja bem sucedido? Temos que voltar a valorizar o que amamos. Se nós, que  realmente levamos a arte no coração, não pagamos por ela, quem dirá os outros onde ela é mero acessório ou bugiganga?

Claro que há outros meios de troca, escambos necessários. Trocar livros por ingressos, serviços variados. Mas estamos no momento de dizer chega. Precisamos de um momento de ruptura para que nossos amigos e colegas não nos vejam mais como “o cara que desenha bem”, “a menina que escreve”. Temos que cobrar pelo que fazemos. Pode ser barato, até porque descobriremos que um teatro com 10 lugares pagos, pode ser melhor que com cem lugares e sem pagantes. Sacou?

Tenho certeza que após nós valorizarmos nossa atividade, a sociedade inteira passará a fazê-lo e pode chegar um dia que não precisemos mais de empresas patrocinando ou endossando nossa atividade. Chegará um momento que arte terá seu mercado e você não vai precisar mais bater na porta do governo ou das empresas.  Um pagante será mais crítico que os demais, porém sua crítica terá muito mais valor, a saber, cada centavo que você cobrou. E nós, quem sabe, poderemos fazer o que fazemos  – literatura, cinema, arte, teatro, seja o que for-  da forma que queremos, sem intervenções externas.

E comecemos hoje mesmo, se o seu colega te convidar para sua peça, vá, de bom grado e pague o ingresso. Compre o livro do seu amigo. Compre o quadro do seu colega, ou pague para ir em sua exposição.  Valorize a arte do seu amigo, para que a sua possa um dia ser valorizada. E convide o seu colega para ir na sua apresentação, e prontamente avise o preço.

Concluindo, é preciso realizar a perguntar crucial, que todas as pessoas deveriam fazer quando vão avaliar e valorizar a si mesmos na hora de cobrar pela sua atividade:

Quer pagar quanto?

Bogado Lins é escritor, roteirista e articulador do Literatura Cotidiana

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